Os Caras

Texto #1
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um gangsta dentro de um carro, com outros dois gangstas de fora encostados no carro. Todos os três olhando pra câmera. Imagem em P&B

Os caras acham que são os primeiros a tentar me enganar, que são os primeiros a falar mal de mim numa roda onde todos sabem meu nome, que são os primeiros a contar mentiras, histórias, lorotas, tentando alcançar, com a língua, até mesmo os ouvidos que só me conhecem de vista. Eles pensam que são os primeiros a tentar culpar quem veio antes - o ovo, a galinha ou eu mesmo? A gênese do seu universo sou eu e os caras acham que são o centro das atenções quando falam de mim nos bastidores, e me jogam nos holofotes torcendo pelo meu fiasco. Mas esse mundo não gira, ele capota, e enquanto eles estão indo eu já estou voltando. A fruta seca quando parte está madura, mas a estragada mal chega no chão e já está cheia de bichos. E eu prefiro ser Objetivo, Direto, Reto, Prático e entre aspas "seco" , do que ser uma mão molhada que não lava a outra nem a sua própria.

Eu prefiro ser quem eu sou, da estirpe de quem acorda na aurora para se recolher no crepúsculo, de quem se defronta com o ridículo e faz dele sua panglossiana morada, de quem olha para baixo tentando entender o céu, do que ser como quem  julga os outros e não tem safra e nem horta, nem hora pra ir ou pra voltar, descompromissados com tudo e com todos, até mesmo com a vida e o tempo que deles não se demora a ser desperdiçado em falsas modéstias, falsas filosofias, falsos sorrisos e memórias inventadas, editadas, entrecortadas, esquecíveis.

Tudo que eu toco tende a virar ouro, e aquilo que não vira se torna aprendizado. Aonde eu errei, é para lá que meu destino me levou, e eu caminho de pé para não ser escravo do passado. Tudo que eu fiz foi por amor à pátria. Que pátria? Meu país são os espíritos amigos que da minha alma não levaram nada, apenas tragaram boas lembranças e saborearam cada um suas tabacas.

Se quiser conhecer um homem, dê a ele tudo que pede. Se for feliz, tem a frente de si um sábio, se for frustrado, não conheceu a ninguém, pois este não conhece nem a si mesmo. Os desejos que se realizam são a copelação dos homens, a maldição das mulheres e a baixa demagogia o arremate do povo. Mas por essa língua em que falo e escrevo, metríflua que seja, certamente quem ouvir jamais será o mesmo, quem ler pensará a respeito, e quem pensar se tornará o que precisa se tornar, por nada mais do que a necessidade de sair de são para encontrar suas insanas e verdadeiras razões. 

Há razões para existir e rir no caminho. Cada flor é uma árvore que antes de nascer teve um descaminho. E por mais frondosas que sejam suas folhas, suas sementes são cinzas e opacas. Duvidar de si é maior pecado que duvidar do outro. E quem odeia o próximo, nele costuma se espelhar. Muitos que se livram de uma dor, no último minuto não a queriam deixar. Pois às vezes a dor é nossa única companhia, ainda que vazia, taciturna e sombria - a dor é uma diuturna amiga.

Eu pago a maior para entender o egoísmo. E voltarei de mãos vazias, estendidas fora do caixão como Alexandre, para meu último juízo. Os médicos que levam meu corpo também terão em seu caminho moedas como piso. E se serão muitas ou poucas, isso não depende de mim, mas de todos que cruzaram comigo.


E se minha mente falhar na derradeira hora. E meu corpo de tão frágil não expressar gesto algum. Se todos estiverem ocupados demais para se despedir. E os que não estiverem, não se lembrarem de mim em momento nenhum. Se da boca seca saírem palavras vazias de som e textura. Quero que me digam, se não valeu a pena ir à loucura, e depois voltar tão só quanto sóbrio e continuar existindo? Eis-me aqui não um enigma, e sim um paradigma - os caras não acreditam em mim. E eu respondo, já no seu enterro: 
Prossigam.


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“The most common way people give up their power is by thinking they don’t have any.”

~ Alice Walker




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